terça-feira, novembro 2

Desabafada

Dia de finados e eu aqui tentando afinar a vida, porque só a voz não basta. É, para quem não imagina, eu canto. Também escrevo, artesano tudo o possível para me preencher ou soltar a alma tamanha. Pesa-me tanto, às vezes... Ando sem saber o que quero ao certo, esperando o tempo passar para definir minha paciência. Tanto passatempo errado. Certo se não fosse pelo exagero, ultimamente. A guerra dentro do meu estômago anda reverberando muito, porque bebo um mundo lá fora em acidez e multidão. Agora quando meus lábios se abrem em pele, sangrando o que me corrói por dentro. Deslizo manteiga de cacau para amaciar nos beijos da aparência. Parece que hoje todas as pessoas tiraram férias de mim. Estou sozinha como nunca, fazendo meu epitáfio às avessas. 

Pausa para um telefonema, finalmente, recebido: ligação errada. Procuravam uma tal de Isabelle, com DDD 94, do Pará. Se, de repente, pagassem a passagem via linha cruzada, eu até iria. Vivo tão sem lugar, que qualquer novidade me bastaria para fugir. Estou incompatível com alguns, não com algures. Tenho feito e dito horrores, embora eu acredite que viver seja mesmo tudo isso.

Transtornada desde a morte de um amigo, desde que o toquei morto em pele amarela dentro do caixão. As mãos postas. O rosto ainda com barba. Camisa de manga comprida, cor azul, crucifixo grande no peito. Mexeu comigo a possibilidade de também virar inanimada, destrutível fácil, comestível idem, pela fragilidade da carne humana. Choro trancado no quarto. Tentei dormir de ontem para hoje, virando o corpo vivo, porém morto de cansaço dessa existência. Eu que estou no auge dos meus vinte e cinco anos, cheia de certezas fatais, de indecisões magníficas.

Se tivesse de escolher, eu viveria em minha própria casa, andaria nua dos calores que aqui me rondam, abasteceria um carro para sair sem saber aonde, guiada pelo faro, sem o medo de sofrer acidente, assalto, assombro ou ruína. Escolheria uma pessoa que em mim se sabe viva, mas que tanto some. Acho que ela não gostaria, já viveu meus vinte e cinco, seis, sete, oito, nove, trinta e, se bobear, até os meus quarenta anos. Estou temerosa enquanto mulher com ânsias livres. Isto porque amo. Talvez se não amasse, não estivesse tão aflita. Sou movida por paixões. E esta última se prolonga, mas cresce dentro de uma caixa. Estou sufocada pelo que me cerca, ainda dependente de certas criaturas erradas, que me impedem de respirar direito com os outros.

Se ele me desse a mão, eu iria. Podia até me esborrachar, mas me esborracharia com dignidade. Ansio uma atitude vinda do nada. Se estou certa do que quero, ao menos disso eu digo sem hesitar: quero amar. Sem amarras, mas com garras e dentes.

Um comentário:

Castro Lisboa disse...

Está na hora de matar seu passado.
Quanto peso!