domingo, dezembro 14

Desencontros forçados.

Senti graça interna de um rosto que hoje revi. Eu, camaleônica, alterada para a belice, assustei um antigo colega dos tempos de escola, que só me tinha a visão de gorducha com aparelho nos dentes. Ele enfeiou, eu embeleci, mas o olhar de espanto foi tão expressivo nele que me fez sentir um ornitorrinco na porta do supermercado. Ninguém sorriu, nem se cumprimentou, felizmente.

Meu espírito também evitou. Estava agoniada por tamanha multidão no local de onde vinha, descida de ônibus lotado ainda. Uma exposição de bonecos em proporções grandiloquentes. Era menino no meu pé, era menina pelo chão e minha vontade perversa de andar em chutes com minhas sandálias. Descoladas. Para completar o desconforto, do meu calçado rompeu a sola, daí saí mancando sem encontros marcados. Sou expert nisso, com a maioria dos meus sapatos acontece de quebrar, descolar, ficar jacaré. Tantas e tantas vezes fiquei na mão, aliás, fiquei num pé só por conta disso. Cola ressecada, deve ser, no meu quarto bate muito sol vespertino e é tudo bem guardado dentro das caixas.


Parece que sempre estou de mudança.


Pois bem, pois mal. Procurei evitar aquela balbúrdia familiar de domingo me enfurnando no cinema. Assisti a uma película espanhola um tanto moderninha beirando a fútil, mas que me gerou certa identificação, sem querer bancar aqui a blasé intelectualóide. Não sou nem meu irmão... Então. A história tratava de duas garotas cansadas da rotina de uma cidadezinha, de seus namorados fracassados e de seus pais problemáticos. Eis que as duas decidem ir para Madrid tentar a vida. Uma punhava silicone enquanto a outra tentava uma vaga de atriz. Penaram bastante, bla bla bla.

Interessante foi uma hora em que o telefone da protagonista, JUANI, toca descompassado. Era o boyfriend da dita, querendo atenção, sentindo-se abandonado naquela terrinha de mierda. Cara de pau (de pau duro mesmo!), Juani o flagrou com outra na cama antes de partir para sua liberdade. No mesmo instante meu celular tocou. A coincidência também girou em torno da indiferença. Na ficção, a garota não atendia as ligações, o outro lá bem merecia. Algo longe de parecido me levou também a ignorar quem me enviava mensagens ali. Nem entrarei em detalhes, mas digo que a ficção não passa de uma mentirinha mais honesta.


Logo mais, saí da sessão e passei por um conhecido colega literato com rabo de cavalo e rosto cálido. Fingi que não o vi, tinha tanto a falar, mas apertei o passo. Aaaaaarg! Mais e mais crianças no meio do caminho feito pedras de Drummond! Tive a sensação de estar sendo seguida. Adiante, evitei o contato com um outro, o que se comunicou da forma mais distanciada, mas que não ousou usar das palavras do olho. Adentrei o museu para contemplar alguma arte contemporânea, puxando pelo pé e dando as costas para o boneco pinóquio. Quanto alívio ao chegar em casa, meu deus.


Sandálias na mão, pés no chão... PÉS NO CHÃO!

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